Sêo Dotô, Sêo Dotô!

Sêo Dotô, Sêo Dotô!
Zé Pelintra chegou.

quinta-feira, 10 de março de 2011

Casa de Mina Parte 1

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Nos últimos setenta anos, muito foi escrito e publicado sobre a Casa das Minas do
Maranhão por sociólogos, antropólogos, lingüistas, musicólogos, fotógrafos, artistas, escritores,
jornalistas e outros profissionais, além de estudantes e visitantes do Brasil e do exterior, mas, como
disse o lingüista Edmundo Correa Lopes, que realizou pesquisas nesse terreiro em fins da década de
1930, “apesar do muito que já foi coletado, também receio que o Querebentã de Zomadonu nunca
venha a ter o estudo que merece, pois há aspectos que até hoje não foram estudados, sobretudo
por especialistas em etnomusicologia, etnolingüística, entomedicina, mitologia e outras áreas.
Ainda fico emocionado ao lembrar, em inícios da década de 1970, os primeiros contatos
que mantive com essa comunidade religiosa através de sua então dirigente, Dona Amância
Evangelista de Jesus, que, desde criança, na primeira década do século vinte, recebia sua senhora,
a vodum Nochê Boça. Lembro de longas conversas que tivemos e não me esqueço de duas coisas que
ela me disse. Fazendo muitas perguntas na intenção de melhor conhecer a Casa das Minas sobre a
qual eu já havia lido tanto em livros de Nunes Pereira, Octávio da Costa Eduardo, Roger Bastide,
Pierre Verger e de outros autores, Dona Amância me respondeu que não adiantava a minha
curiosidade afoita, pois há segredos e mistérios na Casa das Minas. “Aqui é uma de maçonaria de
negros”, disse ela. A preservação dos segredos é uma das razões da continuidade quase bi-secular
desse terreiro em São Luís, quando no Brasil existem tão poucas instituições conhecidas que
funcionam regularmente há mais de cento e sessenta anos e que podemos contar, talvez, nos dedos
da mão.
Continuando a fazer perguntas, Dona Amância respondeu que sua senhora, a entidade de
quem era filha, pertence à família dos voduns da terra, que protegem contra a peste e as doenças
graves. Em minha ignorância, eu que pouco sabia das histórias do Maranhão, retruquei que a peste
era uma doença que havia apavorado as populações da Idade Média e que quase não tinha
importância no mundo atual. Conversando comigo na porta da Casa, na Rua de São Pantaleão, Dona
Amância apontou para um grande sobrado em ruínas que existe ainda ali perto, próximo ao Largo de
São Tiago, e contou que, na primeira década do século XX, quando era uma criança, todas as
pessoas de uma família que moravam ali morreram da peste que assolou a cidade. Lembrei, então,
que a mãe de minha mãe também morreu, no Rio de Janeiro, em 1918, na época da febre
espanhola, peste que atingiu quase o mundo inteiro após a Primeira Guerra Mundial. Também
lembrei que existem, ainda, muitas doenças graves que atacam pessoas de todas as classes sociais,
como a dengue, tão freqüente no século XXI, AIDS e outros males, daí a atualidade e importância
dos voduns da terra. Anos mais tarde, acabei oferecendo um banquete aos cachorros, ritual que faz
parte das obrigações para esses voduns, por uma graça alcançada
Assim, fui aos poucos conhecendo mais os voduns da Casa das Minas, como os da família
de Odam, também chamada de Dambirá – os filhos de Acossi-Sakpatá -, que constituem o panteon
da terra e protegem contra a peste e as doenças graves. Entre eles se incluem Toi Lepon, o irmão
mais velho, vodum da atual chefe da Casa; Toi Pobiboji, vodum protetor de Mãe Andresa, a mais
famosa mãe-de-santo do Maranhão, que dirigiu a Casa das Minas na primeira metade do século XX;
Toi Boçucó, que se esconde num termiteiro e se transforma numa serpente; Toi Alogue, que se
metamorfoseia num sapo e outros voduns de Dambirá, de grande importância na Casa.
A família é chefiada pelos três irmãos: Acossi, Azili e Azonce, que, no sincretismo, são
representados por São Lázaro, São Roque e São Sebastião, santos católicos invocados contra a
varíola e a peste. Os voduns dessa família são agradados pelas vodunsis, que lhes oferecem
alimentos preparados com pombo, catraio, abobó com feijão e milho, entre outras comidas. Alguns
deles dançam com as mãos em garra, como aleijados. Os filhos desses voduns possuem muitas
interdições alimentares. Não devem comer arraia, sarnambi, caranguejo, jaboti e outros alimentos
remosos e nada que leve gergelim. A festa para Toi Acossi acontece a 20 de janeiro – dia de São
Sebastião –, e é uma das mais importantes no Tambor de Mina. Por causa dos Acossi, os Jeje não
podem comer carne de carneiro.

Sergio F. Ferretti
Dr. em Antropologia

Axé

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