Sêo Dotô, Sêo Dotô!

Sêo Dotô, Sêo Dotô!
Zé Pelintra chegou.

sexta-feira, 18 de março de 2011

TAMBORES DE MINA JEJE NAGÔ E O SÁBADO DE ALELUIA


Como o culto afro Mina Jêje-Nagô cumpre os preceitos da quaresma, a casa ficou fechada para rituais públicos, por isso, somente agora, quarenta dias depois, é que Nochê Hunjaí Emília de Toy Lissá/Agbê Manjá e seus filhos recebem todos os convidados na reabertura da casa com muita alegria e devoção, como se pode perceber na fala de Mãe Emília distribuímos aqui.
Essa festa é uma reabertura da casa. A gente fecha a casa, depois da obrigação da cana verde, por quarenta dias, a Quaresma, todo esse período anterior à semana santa a casa fica fechada. Os vodunços, são recolhidos. Só ficamos em oração. A gente se guarda e pega as guias, todos os aros são recolhidos. É obrigação ficarem dentro do peji, que é aquele santuário sagrado, onde só têm os vodunços, somente coisas sagradas ali dentro. Fica tudo ali dentro e só na Quinta-feira Santa é que se tira, pra lavar, organizar, coloca-se tudo em obrigação, que é para no Sábado de Aleluia se usar. Só reabre no Sábado de Aleluia. Quinta-feira Santa tem a displantação da cana verde, tem a ceia que a gente faz. Na Sexta-feira Santa tem a procissão, e só depois de 7h da noite nós começamos a descobrir a casa toda, para arrumar; para a festa do Sábado de Aleluia.




Mas antes de reabrir a casa, participamos da comunhão realizada pelo compartilhamento do santificado geum, que não pode ser registrada por acontecer dentro do peji.
Antes de tudo tem o geum, que se faz antes de abrir a casa. É uma comunhão que se faz com a comida, com o amalá, com as comidas  que são do santo. Ali naquela hora, já estão entregues as orações, você faz o seu pedido. Você recebe o furá, que é feito com arroz e outros mistérios que têm, come a farofa de amendoim e bebe o aluá, que é feito de abacaxi, milho.
Após o geum, as guias dos filhos foram entregues conforme os cargos dos filhos, e só então se iniciaram os rituais, mas com as luzes ainda apagadas…
Depois é que começa, com as luzes apagadas, somente com as velas. Quando a gente termina de cantar, que louvou Aleluia, é que se acende a luz, aí vem o clarão. Tem que se cantar para todos os vodunços, para todas as mães. Muitos descem, vem mostrar que eles estão ali.
Dom João, que é mensageiro de Lissá, senhor da casa e da coroa de Mãe Emília, foi chamado para tomar conta deste reinicio das atividades. Aleluia, Dom João!
Aleluia! Dom João, olha teus filhos
Olha que o mundo mudou
Vamos dar o joelho à terra
Pra adorar nosso Senhor
Aê, manjedor, rompeu alegria
Vodun raiou
Pai Dinho, Pai Pequeno, segunda pessoa dentro da casa, que, segundo Mãe Emília foi deitado e preparado desde criança, quando ela andou na Bahia e no Maranhão, por isso demonstra tanto conhecimento e segurança em tomar conta da roda e dos tambores. Com sua cavernosa, potente e melodiosa voz, preenche o terreiro, enquanto as entidades vão chegando e preenchendo-o.
Finalmente foram liberados os tambores deitados e chamados a baixar os vodunços para o principal rito da noite: o Abieié, “bolos” nas mãos por uma palmatória. Antes de começar o ritual, por fazer parte de uma tradição que não é mais usual e até condenável atualmente, Mãe Emília e Pai Dinho explicaram alguns significados simbólicos desse ritual o qual também, não pudemos registrar por realizar-se no peji.
Depois é que se vira para o povo que vem pra levar o Abieié pros seus filhos. O Abieié é a disciplina que os vodunços vêm ao mundo para dar disciplina pros filhos, pra mostrar que eles são pais, são tudo, que a mesma passagem que passou o nosso Senhor todo poderoso, a gente vai ter de fazer também esse ritual todinho. Por isso se canta para todos os vodunços, todos os orixás. Os encantados descem, os pais espirituais descem para dar disciplina pros filhos. Eles mandam os mensageiros vir. Àqueles que não incorporaram, a obrigação é da mãe de santo da casa dar aquele bolinho pra dizer pro filho que ele cumpriu sua disciplina.
Ô abieié! Ô abieié!
Ô abieié!, meu vodunço
Abieié!
Seu Ubirajara baixou e veio distribuir seus disciplinantes e santificados “bolos” nas mãos dos filhos e até para os convidados.
O Abieié é, na verdade, uma pedra que é preparada durante sete dias e na qual a gente canta para os vodunços. A palmatória também é preparada durante sete dias. É uma tradição muito antiga. Muitas casas não fazem mais isso, mas a gente continua nossa tradição. Eles descem e vão naquela pedra fazer a obrigação que tem que fazer, se o filho errou a vida toda, se está errando, ou se não. Chama-se Tambor de Alegria. Tambor de Alegria porque todo mundo da comemorando a reinação de Cristo de novo. Esse bolo não é só pra disciplinar, é um bolo que espanta qualquer coisa que estiver em cima de você, se você tem uma força contrária ele vai espantar. Tem muito significado.
E o tambor era realmente de alegria e contagiou a todos, tanto quem estava na roda quanto os convidados, todos regozijados pela beleza e espiritualidade do verdeiro culto Mina Gêge-Nagô. Após o Abieié, Pai Alan, que vem de uma família devotada ao santo (segundo Mãe Emília, sua mãe era mãe de santo, a avó dele era mãe de santo, do tempo da pajelança), fez as homenagens à casa e a todos que ali se encontravam.
Como já passara da meia noite, então Virou o tambor para dar passagem para dona Maria Légua, filha de Légua de Boji Boá, da família Cambinda.
Veio ainda seu Zé Pelintra, na cabeça de Pai Alan, e seu Colin Maneiro, na cabeça de Pai Dinho.
E com dona Légua veio a irmã. Na cabeça de seu Tatá, toda a alegria da melodia empolgante nas rezas e nos volteios da dança de dona Xica Baiana.
E assim a festa do Sábado de Aleluia entrou pela madrugada até o raiar da bela manhã do Domingo de Páscoa, com a comunhão de toda a alegria e satisfação de estarem ali no vigor dos cultos afro que, agora, após a Quaresma, seguirão pelo ano a fora…

Edson

Axé

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