Sêo Dotô, Sêo Dotô!

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Zé Pelintra chegou.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

A fala, agente ativo da magia


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História Geral da África- Metodologia e Pré- História da África – Volume I
de J. KI- Zerbo (Coordenador do Volume) Ática – Unesco
Deve-se ter em mente que, de maneira geral, todas as tradições africanas postulam uma visão religiosa do mundo. O universo visível é concebido e sentido como o sinal, a concretização ou o envoltório de um universo invisível e vivo, constituído de forças em perpétuo movimento. No interior dessa vasta unidade cósmica, tudo se liga, tudo é solidário, e o comportamento do homem em relação a si mesmo e em relação ao mundo que o cerca (mundo mineral, vegetal, animal e a sociedade humana) será objeto de uma regulamentação ritual muito precisa cuja forma pode variar segundo as etnias ou regiões.
A violação das leis sagradas causaria uma perturbação no equilíbrio das forças que se manifestaria em distúrbios de diversos tipos. Por isso a ação mágica, ou seja, a manipulação das forças, geralmente almejava restaurar o equilíbrio perturbado e restabelecer a harmonia, da qual o Homem, como vimos, havia sido designado guardião por seu Criador.
Na Europa, a palavra “magia” é sempre tomada no mau sentido, enquanto que na África designa unicamente o controle das forças, em si uma coisa neutra que pode se tomar benéfica ou maléfica conforme a direção que se lhe dê. Como se diz: “Nem a magia nem o destino são maus em si. A utilização que deles fazemos os tornam bons ou maus”.
A magia boa, a dos iniciados e dos “mestres do conhecimento”, visa purificar os homens, os animais e os objetos a fim de repor as forças em ordem. E aqui é decisiva a força da fala.
Assim como a fala divina de Maa Ngala* animou as forças cósmicas que dormiam, estáticas, em Maa, assim também a fala humana anima, coloca em movimento e suscita as forças que estão estáticas nas coisas. Mas para que a fala produza um efeito total, as palavras devem ser entoadas ritmicamente, porque o movimento precisa de ritmo, estando ele próprio fundamentado no segredo dos números. A fala deve reproduzir o vaivém que é a essência do ritmo.
Nas canções rituais e nas fórmulas encantatórias, a fala é, portanto, a materialização da cadência. E se é considerada como tendo o poder de agir sobre os espíritos, é porque sua harmonia cria movimentos, movimentos que geram forças, forças que agem sobre os espíritos que são, por sua vez, as potências da ação.
Na tradição africana, a fala, que tira do sagrado o seu poder criador e operativo, encontra-se em relação direta com a conservação ou com a ruptura da harmonia no homem e no mundo que o cerca.
Por esse motivo a maior parte das sociedades orais tradicionais considera a mentira uma verdadeira lepra moral. Na África tradicional, aquele que falta à palavra mata sua pessoa civil, religiosa e oculta. Ele se separa de si mesmo e da sociedade. Seria preferível que morresse, tanto para si próprio como para os seus.
O chantre do Komo Dibi de Kulikoro, no Mali, cantou em um de seus poemas rituais:
“A fala é divinamente exata,
convém ser exato para com ela”. 
“A língua que falsifica a palavra
vicia o sangue daquele que mente.”
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O sangue simboliza aqui a força vital interior, cuja harmonia é perturbada pela mentira. “Aquele que corrompe sua palavra, corrompe a si próprio”, diz o adágio. Quando alguém pensa uma coisa e diz outra, separa-se de si mesmo: Rompe a unidade sagrada, reflexo da unidade cósmica, criando desarmonia dentro e ao redor de si.
Agora podemos compreender melhor em que contexto mágico-religioso e social se situa o respeito pela palavra nas sociedades de tradição oral, especialmente quando se trata de transmitir as palavras herdadas de ancestrais ou de pessoas idosas. O que a África tradicional mais preza é a herança ancestral. O apego religioso ao patrimônio transmitido exprime-se em frases como: “Aprendi com meu Mestre”, “Aprendi com meu pai”, “Foi o que suguei no seio de minha mãe”.
Axé

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